quarta-feira, 24 de maio de 2017

Os pais da criança sumiram, por Carlos Motta


Jornal GGN

O Banco Itaú enviou, dias atrás, um interessante comunicado aos seus correntistas, alertando para a queda no rendimento de algumas aplicações, principalmente os fundos multimercados, e atribuindo o "impacto negativo" às "ultimas notícias" sobre o cenário político: "É importante destacar que os acontecimentos do atual contexto aumentaram muito a incerteza, impactando, no curto prazo, os preços dos ativos no mercado como um todo", diz trecho da correspondência.
O texto, porém, não toca no principal, ou seja, o que ocasionou esse cenário político de turbulência, que se reflete negativamente em vários produtos do mercado financeiro, prejudicando, pelo menos no curto prazo, milhares de pequenos aplicadores.
O Itaú, como quase a totalidade das empresas brasileiras, de uma forma ou de outra, incentivou e colaborou para a destituição da presidenta Dilma Rousseff, e, por consequência, para a instauração desse governo formado por canalhas e corruptos. 
Muita água ainda há de passar sob essa "ponte para o futuro" que os golpistas estão tentando construir. Quem sabe, algum dia, se saberá o quanto cada personagem desta tragédia contribuiu para trazer o caos ao país. 
Hoje, achar os pais da criança, é uma tarefa muito difícil. 
A chamada "base de apoio" do Dr. Mesóclise e seu bando de picaretas dissipa-se com uma incrível velocidade: os ratos abandonam o navio pois pressentem o seu naufrágio iminente.
Do lado empresarial, com algumas raras exceções, o quadro é dramático. 
Os setores de serviço e industrial ainda sofrem com as dores da recessão, e não resta muito mais a fazer, a não ser cortar custos, o que implica a demissão de mais trabalhadores - como se os cerca de 15 milhões que foram jogados para fora do mercado de trabalho nos últimos dois anos fosse coisa pequena.
O setor financeiro é, por enquanto, o que menos sofreu com a crise, mas não vai tardar para que o peso de milhões de pessoas sem rendimento abale seus gordos lucros.
Os 50 milhões de eleitores de Aécio Neves em 2014 se reduziram a uns miseráveis milhares. 
O Dr. Mesóclise se tornou a figura mais detestada da nação.
Os protagonistas do golpe que abateu não um governo legítimo, mas a essência da democracia brasileira, se tornaram mortos-vivos.
O país se arrasta se rumo.
E os responsáveis pelo desastre se escondem, covardemente, na esperança que possam escapar do julgamento da história.

Um país de costas para seus trabalhadores, por Fernando Horta

Jornal GGN


É surpreendente como a ideia de se ser um “trabalhador” foi desmontada nos últimos 20 anos. No discurso atual, o trabalhador é quase um pária social. Alguém que vive de “benesses” do Estado, que espera ardentemente se aposentar, para então ser o que desde o início, segundo esta narrativa, ele sempre foi: um vagabundo. No meio tempo, o trabalhador tem a petulância de se juntar nestas nefastas organizações chamadas “sindicatos”. Fazem greves, bloqueando o trânsito (veja só!) e têm a audácia de querer ver no poder um dos seus.

Estes ataques começaram no final da década de 80 e início da de 90, com as tais normas ISO. Naquela época, fui incumbido de trabalhar pela certificação ISO de um laboratório e fiz alguns cursos a respeito. O objetivo das normas ISO, com todas as suas formas de backup de informações, rotinas e controles, era tornar o trabalhador totalmente dispensável. Mesmo com 20 anos de empresa, após a implantação das famigeradas ISO, você seria facilmente substituído por um jovem que pudesse ler e compreender suas rotinas diárias. O fato de o jovem ganhar menos do que o trabalhador “já de casa” era “um detalhe insignificante” frente ao “ganho de qualidade” que representava para a empresa.
Após este período, tivemos um ataque ao termo “trabalhador”. Virou “colaborador”. O objetivo (não declarado) era burlar, de qualquer forma, a aplicação das leis trabalhistas (aquelas que criam “vagabundos” que não gostam de trabalhar). Os juízes do trabalho tiveram uns dez anos de esforços conjuntos para conseguir enquadrar esta “estripulia linguística”. Agora, nos anos 2000, surgiram duas outras formas de atacar o trabalho. A primeira é o chamado “voluntariado” que passou a “contar pontos” nos currículos dos jovens, de forma bastante ideológica. Doar sua força de trabalho significa algo bom, meritório e em troca você ganhar um papelzinho atestando sua “iniciativa”. De preferência negando o termo mesmo “trabalho”, eis que surgiu o termo “voluntariado”. O objetivo é afastar a nódoa do trabalho, presente até mesmo no termo.
O segundo ataque ao termo veio da teologia do empreendedorismo. Não seja um trabalhador, seja um “empreendedor”. Cada vez que vejo, ouço em palestras ou vídeos, um indivíduo branco, cheirando a perfume estrangeiro, sem um calo nas mãos dizer do alto de sua arrogância que “para se ficar rico basta levantar cedo e ir trabalhar”, “mudar o mindset” eu perco a calma. O objetivo é o mesmo das conhecidas AmWay, Herbalife, Uber e etc. em que se colocam milhares de pessoas a trabalharem, sub-remuneradas no afã de sobrepujarem os baixos valores pagos pela quantidade de serviço remunerado. Claro que os CEO’s, estando no topo desta pirâmide semi-escravagista, carregam para si qualquer centelha de valor produzido que não fica com o trabalhador. E o sonho do “empreendedorismo” se encarrega de manter os trabalhadores em transe.
De outro lado, o trabalho é atacado pelo neopentecostalismo de ocasião. O trabalhador não é mais sustentado pelo fruto do seu suor, mas por uma barganha espúria feita com um deus, mediada por um “pastor”. Oferta-se ao pastor, como se a deus diretamente, e este benevolente ser celestial devolverá. O interessante e paradoxal é que o objeto da oferta a deus é algo que você deve reputar “sem valor”: dinheiro. Sua família, portanto, não é sustentada pelos seus esforços, mas pela sua fé e “desprendimento material”. A evidência fática de pastores milionários e fiéis pobres ou a evidência teológica de Jesus ter atacado exatamente os vendilhões do templo nada significa. A retórica fervorosa juntamente com os “milagres” sem nenhuma comprovação faz-nos pensar no retorno ao medievo.
Não foi apenas o espectro da direita que atacou o trabalho. Na esquerda também viu-se um desconforto de se ser trabalhador. A esquerda comprou os termos discursivos todos que pudesse substituir “trabalho”. Ao fazer isto e fortalecer as identidades pós-modernas, a esquerda eclipsou a identidade “trabalhador”. Empoderam-se mulheres, LGBT, quilombolas, negros e, muitas vezes sem darmo-nos conta, a identidade proletária vai ficando escondida, carcomida e mesmo negada frente às novas (e necessárias sim) bandeiras. Recentemente, a esquerda se distanciou ainda mais dos trabalhadores ao cunhar o termo “pobre de direita”. É um ataque claro ao trabalho. Supostamente uma crítica àquele trabalhador sem consciência da sua posição de classe. Como se ler, conhecer e aceitar Marx fosse uma obrigação originária. Junto com a carteira de trabalho o sujeito recebesse uma cópia d’O Capital. O mais interessante é que, décadas de discussão entre o espontaneísmo da consciência de classe ou o trabalho diligente partidário nesta criação, somem no termo “pobre de direita”. No fundo, culpa-se o trabalho por estarmos na crise que estamos.
Não há o que se falar mais sobre a desconstrução do termo “Partido dos Trabalhadores”. O ataque diuturno midiático, jurídico, patronal é evidente. E neste embalo, hoje, o capital cristaliza nas mentes dos trabalhadores mesmos que retirar os parcos direitos conquistados “ser-lhes-á benéfico”. A propaganda do governo Temer é criminosa, para lá de imoral. Contam em telejornais que é preciso que o trabalhador amealhe um milhão de reais durante sua vida, para poder “fazer a sua aposentadoria” sem depender do “estado”. Num país em que altos funcionários públicos ganham subsídios para tudo (desde paletó, gasolina, moradia e escola) e políticos pedem quarenta milhões de reais para “comprar um apartamentozinho para a mãe no Rio”.
É preciso, para vencer o avanço da direita, recuperar o termo “trabalhador”. Recuperar a noção racional de que é do trabalho que é gerado valor. Não de algum deus ou de algum patrão benevolente. É preciso que nos reconheçamos como trabalhadores, e, com isto, compreendamos que temos muito em comum pelo que lutar. Não me interprete mal, todas as bandeiras são válidas, justas e necessárias. Mas sem trabalho nenhuma delas poderá ser erguida. Por inanição.

Muito prazer, Fernando Horta, hoje trabalhador da educação, mas já fui office-boy, auxiliar administrativo, gerente assistente, assistente de pesquisa, carregador de mudança, coordenador de CPD, cuidador de idosos e professor de xadrez.


quinta-feira, 18 de maio de 2017

Que tempos são estes?, por Fernando Horta


Blog FERNANDO HORTA, Jornal GGN


É errado supor que o passado não pode ser modificado. Entre 1945 e 1950, foram feitas pesquisas na França, perguntando a quem os franceses atribuíam a vitória na segunda guerra. A resposta de mais de 70% da população francesa era de que os responsáveis pela vitória sobre os nazistas haviam sido os comunistas, soviéticos e franceses. Após 1960, as mesmas pesquisas revelavam que mais de 68% dos franceses acreditavam que a segunda guerra havia sido ganha pelos norte-americanos.
Este é um caso de reconfiguração do passado. Milhões de dólares despejados num processo de propaganda ideológica reorganizava as memórias de todo um continente, virtualmente apagando o esforço de guerra feito pelos soviéticos em sua luta contra os fascistas. Este processo é tão violento que hoje há ainda quem acredite que a URSS é ameaça para o mundo ocidental. A quem acredite que o comunismo ameaça o Brasil.
Isto nos serve para perceber que as elites sabem muito bem como jogar com a propaganda. Sabem como reconstruir memórias, criar e atacar símbolos. Além dos imensos recursos materiais que os detentores da riqueza mundial têm ao seu dispor, eles entendem este processo de dominação ideológica de forma muito mais apurada do que a esquerda.
A Lava a Jato foi designada desde 2012, pelo menos, para reescrever a História do Brasil. O objetivo principal não é acabar com a corrupção, não é entregar riquezas brasileiras a estrangeiros ou destruir o governo Dilma. Todos estes pontos são e foram secundários. O objetivo é lutar pela memória dos últimos catorze anos. Como o período entre 2002 e 2014 será lembrado? Será um momento virtuoso do Brasil em que conquistamos autonomia política externa pelo pagamento de dívidas e forte desenvolvimento, acabando com a fome e redistribuindo riqueza? Ou será um período de aparelhamento perverso do Estado com destruição da economia por uma corrupção nunca antes existente e que colocou o país em uma crise pelos vinte anos seguintes?
Impossibilitados de lutar contra o passado, opositores políticos de Lula resolveram apagar completamente o governo da história. Reescrevendo a narrativa através dos golpes institucionais, se reorganiza o pensamento elitista de que “o povo não sabe governar”. O interrogatório de Moro a Lula, na semana passada, expressa exatamente isto. Das cinco horas de interrogatório, o juiz usou três horas para suas perguntas, e quase todas remetiam ao início do período entre 2002 e 2010. Por isto a mídia é tão importante. Nada tem a ver com o combate à corrupção, que pode ser feito sem alarde e seguindo os preceitos legais. Mudar a história não pode ser feito em silêncio, em gabinetes de juízes ou desembargadores. É preciso horas em jornais diários, construindo a narrativa da terra arrasada.
Infelizmente, neste jogo, uma parte da esquerda cai como um pato amarelo. Talvez por ingenuidade ou por tentarem amealhar votos, parte da esquerda tem feito exatamente o mesmo papel de desconstruir o período entre 2002 e 2014. Começam por pejorativamente chamar de “lulismo” e, em seguida, colocam-se ombreados com a direita a exigir prisão de A ou B e declarar que tudo não passou de um “populismo irresponsável”. Não vou entrar aqui na discussão historiográfica sobre os absurdos desta tese. O fato é que quando a esquerda se une para atacar o “lulismo” ela joga um papel gratuito. Papel que o capital pagou alguns milhões de dólares para grupos como MBL e outros fazerem.
Precisamos entender duas coisas: primeiro, todos aqueles que culpam o “lulismo” pelo não desenvolvimento de alternativas de esquerda durante este tempo, o fazem para não reconhecer o seu próprio fracasso eleitoral. O fato é que nenhuma figura de esquerda hoje faz mais de 10% de intenções de voto sozinha. E não se pode nem acusar Lula que, a bem da verdade, colocou TODAS as lideranças que o apoiaram em postos de governo. Desde Cristóvão Buarque, até Marina Silva, todos participaram do primeiro governo. Se fizeram guinadas à direita ou se não conseguiram andar pelas próprias pernas, isto é outro problema. Luciana Genro não conseguiu passar para o segundo turno nas últimas eleições, em Porto Alegre. Freixo, mesmo com todo o apoio que recebeu no Rio, não conseguiu eleger-se. Haddad da mesma forma. Mesmo o novo “nome de ouro” da esquerda, Ciro Gomes, não faz mais votos que Bolsonaro. Ouso dizer que se alguma candidatura emplacasse mais de 10% de votos, Lula não concorreria.
O segundo ponto é compreender que defender Lula hoje, para a imensa maioria da população, não é defender um político que pode ou não ter cometido atos desabonadores. Que pode ou não ter sido beneficiado em alguns negócios. Que pode ou não ter deixado de fazer reformas em nome de uma composição política questionável. Apoiar Lula hoje é defender a própria história. Apoiar Lula é dizer que os últimos catorze anos não foram uma farsa. É lutar pela própria sanidade mental, dizendo que se trabalhou, e muito, neste período para um Brasil mais justo. Lula é, portanto, não mais o metalúrgico Luís Inácio que organizava greves em 1970. Lula hoje significa um período de tempo na vida de cada um. Um período em que o Brasil saiu do mapa da fome, ficou mais rico e menos desigual. Defender o símbolo Lula, não é compactuar com reformismo ou com alianças fisiológicas. Defender Lula é reafirmar os últimos catorze anos da vida de todos e de cada um, dizendo a altos pulmões que eu estive aqui e sei o que aconteceu.
A direita sabe disto, por isto ataca o símbolo Lula e não o metalúrgico Luís Inácio. Por isto precisa de mídia e não de justiça. O fato é que se a direita brasileira tivesse um trunfo destes governaria pelos próximos vinte anos. A esquerda, entretanto, continua se fagocitando. Destruindo seu capital político em troca de nada. Se Lula será ou não candidato em 2018 é secundário. Hoje é preciso lutar pela História dos últimos catorze anos. É preciso dizer que é possível crescer e incluir, que é possível desenvolver e distribuir e que é possível que o povo exerça sim o poder.

Xadrez da Lava Jato em família

Jornal GGN










Peça 1 – as caixas pretas do Judiciário

Mais independente e sutil dos Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), assim que explodiu a disputa entre o Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot e o Ministro Gilmar Mendes, sobre conflitos de interesse – de parentes em escritórios de advocacia com grandes causas no STF e na PGR – o Ministro Marco Aurélio de Mello declarou-se impedido de julgar qualquer processo em que atuasse o escritório de Sérgio Bermudes. Alegou que tinha uma sobrinha que lá trabalhava.
Foi um tapa com luva de pelica nas práticas históricas das altas cortes, de parentes de Ministros, desembargadores, Ministros do Tribunal de Contas e outros advogarem nos tribunais em que atuam seus padrinhos.
Hoje em dia, há duas caixas pretas rondando o Judiciário. Uma, das ações em família; outra, das palestras de cachês desconhecidos.
Uma terceira caixa preta surge com a Lava Jato.
Os maiores escritórios de advocacia do Rio e São Paulo, antes especializados nas áreas comercial, administrativa e de contratos, passaram a aceitar advogados criminalistas como sócios, para atender à enorme demanda provocada pela Operação Lava Jato.
São honorários milionários. Segundo advogados paulistas, conseguir uma causa de delação premiada de algum cliente mais poderoso pode render até R$ 15 milhões de honorários.

Peça 2 – o poder da Lava Jato

A instituição da delação premiada na Lava Jato, conferiu um poder extraordinário a juízes e procuradores envolvidos com a operação. Depende deles – exclusivamente deles – a liberdade ou a prisão dos réus. E como a decisão de aceitar ou não é eminentemente subjetiva, eles se tornam senhores absolutos do destino dos réus que caem em suas mãos.
Essa submissão dos réus gerou dois fenômenos distintos.
O que está em jogo não é pouco. Ou a prisão, ou a possibilidade de ser libertado e ainda usufruir de parte da riqueza amealhada com a corrupção. Alberto Yousseff, a arma sacada por Sérgio Moro, conseguiu a liberdade e ainda a possibilidade de receber comissões sobre quantias que ajudar a recuperar.
Depois que a Odebrecht quebrou a cara, quando seus advogados resolveram enfrentar a Lava Jato, houve mudança total no comportamento dos advogados de réus candidatos à delação. Advogados altivos, passaram a aceitar todas as imposições da força-tarefa e do juiz e ainda avalizar o jogo de cena, negando qualquer imposição no conteúdo das delações.
Ora, todo delator já sabe, de antemão, o que os procuradores – e o juiz – desejam: informações que ajudem nas ações contra Lula. Aliás, não apenas eles mas a torcida do Corinthians e do Flamengo. E do Atlético Paranaense, é claro.
A partir daí entra-se na caixa preta. Até que ponto a contratação de advogados ligados às autoridades da Lava Jato se deve à sua competência, à tentativa de agradar a autoridade (agrado que pode ser correspondido ou não) ou barganha?
Trata-se de uma situação controversa, que merece uma segunda pergunta: até que ponto é lícito a um advogado aceitar uma proposta de uma empresa cujo destino está nas mãos de seu padrinho político?